Paciente renal crônico não dialítico com troponina no limite: existe relação clínica?

Entenda por que a troponina pode estar discretamente elevada na DRC mesmo sem infarto agudo do miocárdio

27/12/2025

3 min ler

Pacientes com doença renal crônica (DRC) não dialítica frequentemente apresentam alterações laboratoriais que desafiam a interpretação clínica, e a troponina no limite superior da normalidade é uma das situações que mais geram dúvidas na urgência e no acompanhamento ambulatorial.

Mas afinal: troponina discretamente elevada em pacientes renais significa infarto?
A resposta exige contexto clínico, conhecimento fisiopatológico e cautela interpretativa.

Por que a troponina pode se alterar na DRC não dialítica?

A troponina é um marcador altamente sensível de lesão miocárdica. No entanto, em pacientes com DRC, mesmo antes da diálise, alguns mecanismos explicam valores persistentemente limítrofes:

1. Redução da depuração renal

Embora a troponina não seja exclusivamente eliminada pelos rins, fragmentos circulantes podem se acumular conforme a função renal diminui.

2. Lesão miocárdica crônica subclínica

Pacientes renais frequentemente apresentam:

  • hipertrofia ventricular esquerda;

  • sobrecarga volêmica;

  • microisquemia miocárdica;

  • inflamação crônica.

Esses fatores podem levar a liberação contínua e discreta de troponina, sem evento coronariano agudo.

3. Estado inflamatório persistente

A DRC é uma condição inflamatória sistêmica, que contribui para sofrimento cardíaco crônico.

Troponina no limite é infarto? Nem sempre.

Em pacientes com DRC não dialítica:

  • troponina estável e cronicamente elevada ≠ infarto;

  • troponina em elevação dinâmica (curva ascendente) = sinal de alerta;

👉 O diagnóstico de infarto não se baseia em um valor isolado, mas em:

  • variação seriada da troponina;

  • sintomas compatíveis;

  • alterações no ECG;

  • contexto clínico.

O erro mais comum na prática clínica

Um erro frequente é interpretar a troponina limítrofe fora do contexto renal, levando a:

  • internações desnecessárias;

  • exames invasivos sem indicação;

  • ansiedade para o paciente;

  • rotulação equivocada de síndrome coronariana.

Em DRC, valor isolado tem pouco significado clínico.

Como interpretar corretamente na prática

A abordagem segura envolve:

Troponina seriada

Avaliar se há elevação progressiva ou apenas valor estável.

Correlação clínica

Dor torácica típica? Dispneia nova? Instabilidade?

ECG

Mudanças isquêmicas reforçam suspeita de evento agudo.

Comparação com exames prévios

Pacientes renais costumam ter um “baseline” próprio de troponina.

Importância prognóstica da troponina na DRC

Mesmo quando não indica infarto, a troponina persistentemente elevada em DRC:

  • está associada a maior risco cardiovascular;

  • indica pior prognóstico a longo prazo;

  • deve motivar acompanhamento cardiológico.

Ou seja: não é infarto, mas não é irrelevante.

O papel do laboratório clínico

O laboratório tem papel essencial ao:

  • orientar interpretação seriada;

  • evitar conclusões baseadas em valor único;

  • comunicar claramente o contexto renal;

  • apoiar decisões clínicas seguras.

Troponina não deve ser liberada sem correlação clínica, especialmente em pacientes com DRC.

Em Síntese

Na doença renal crônica não dialítica, a troponina no limite superior é um achado relativamente comum e, isoladamente, não define infarto. A interpretação correta exige visão integrada entre laboratório, clínica e cardiologia.

📌 Troponina sobe por coração — mas em pacientes renais, nem sempre por evento agudo.

📌 Como agir diante desse achado

  • Não interprete troponina isoladamente em pacientes com DRC.

  • Solicite dosagem seriada para avaliar variação dinâmica.

  • Correlacione com sintomas e ECG antes de definir síndrome coronariana.

  • Encaminhe para acompanhamento cardiológico, mesmo sem infarto agudo.

  • Use o laboratório como aliado na segurança diagnóstica.

👉 Em caso de dor torácica ou piora clínica, procure atendimento médico imediato.


👉 Continue se atualizando no Alerta Saúde.

📚 Fontes e referências

  • UpToDateCardiac troponins in patients with chronic kidney disease.

  • KDIGO — Diretrizes sobre doença renal crônica e risco cardiovascular.

  • European Society of Cardiology (ESC) — Guidelines for the diagnosis of myocardial infarction.

  • American Heart Association (AHA) — Biomarkers in acute coronary syndromes.

  • Harrison’s Principles of Internal Medicine — Cardiovascular disease in chronic kidney disease.

  • Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) — Atualizações sobre troponina e risco cardiovascular.

Em doença renal crônica, troponina no limite nem sempre significa infarto — contexto é essencial